O exemplo vem de Portugal

Esse é o segundo artigo em parceria com o Fashion Innovation Business (FIB), uma empresa de educação executiva focada na indústria da moda nacional que já confirmou sua participação como expositora na 2ª edição do Febratex Summit

Nos nove primeiros meses de 2022, as exportações da Indústria Têxtil e Confecções de Portugal (ITV) cresceram 17,7% em relação à 2021, aumentando a expectativa de um novo recorde para o setor, que até o momento é de 5.4 Bilhões de euros referentes à 2021 (os números finais de 2022 não foram divulgados até o momento).

Esse resultado é particularmente surpreendente quando se considera que 2022 foi um ano marcado pela redução das margens de lucro em função do aumento generalizado das matérias-primas e insumos, com destaque para a explosão do custo do gás natural, que superou a marca de 500% de aumento. Em verdade, trata-se de mais um capítulo na história de superação da ITV portuguesa, reforçando sua posição de um dos casos de sucesso mais estudados na indústria da moda global na última década.

No entanto, há pouco mais de 20 anos as coisas eram bem diferentes, com a ITV portuguesa passando pelo seu pior momento, com muitas empresas fechando suas portas em função da entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2001 e consequente acesso ao mercado europeu, principal destino dos produtos portugueses. Como consequência, as exportações do setor caíram de pouco menos de 5 bilhões de euros em 2001 para aproximadamente 3,5 bilhões em 2009. Essa queda se deve ao fato de que àquela altura Portugal ofertava produtos de baixo valor agregado, produzidos por uma mão-de-obra barata para os padrões europeus sendo, inclusive, conhecida como a “China da Europa”. Acontece que esses foram exatamente os produtos ofertados pela China para o mercado europeu, só que com preços ainda menores que os praticados pelos portugueses.

Mas como a ITV portuguesa superou a concorrência Chinesa e se tornou exemplo para o mundo, ocupando atualmente posição estratégica nas cadeias globais de grandes marcas e varejistas? De forma muito simplificada, podemos dizer que a estratégia adotada foi a de tomar um caminho diametralmente oposto ao seguido até então, com foco na diferenciação por meio de valor agregado. A seguir, alguns momentos chaves desse processo de evolução são abordados dentro de uma perspectiva histórica.

Em um primeiro momento, a forma de se diferenciar da concorrência asiática foi melhorar a qualidade dos produtos ofertados, o que demandou pesados investimentos na modernização do parque fabril e capacitação técnica das pessoas para os novos desafios.

Isso feito, houve avanços na conexão entre o universo industrial têxtil e o da moda propriamente dito, com as empresas desenvolvendo produtos com cada vez mais informações de moda, mesmo sendo o setor em Portugal quase que exclusivamente orientado à PL. A partir desse momento, as empresas começaram a romper com o padrão de esperar passivamente pelas fichas técnicas dos produtos junto com os pedidos, dando início à uma abordagem mais proativa, ofertando também aos clientes seus próprios desenvolvimentos. E se no momento do aumento da qualidade dos produtos o foco foi primordialmente na atualização do parque fabril e de competências técnicas correlatas, aqui o foco foi a montagem de times de desenvolvimento de produtos capazes de surpreender os clientes com propostas alinhadas às suas necessidades e em linha com as macrotendências globais, já que a ITV portuguesa é extremamente orientada à mercados externos, exportando cerca de 95% de tudo que produz.

O próximo passo no processo evolutivo da ITV portuguesa foi a redução do tempo de respostas aos pedidos colocados pelas marcas e magazines, fruto da ascensão do Grupo Inditex (dono da marca Zara, dentre outros) e do modelo que ficou conhecido como Fast Fashion. Atualmente, os prazos de entregas médios do setor em Portugal variam de duas a seis semanas, não sendo raro pedidos colocados na segunda de manhã sendo despachados na sexta à tarde. Em relação à essa marcante característica da ITV de Portugal, deve-se entender que somente foi possível devido ao alto nível de especialização e integração entre as empresas que, junto com a proximidade física entre elas (cerca de 90% de toda a ITV de Portugal concentra-se em um raio de aproximadamente 70Km da cidade do Porto) caracteriza o que se conhece como Cluster Têxtil do Norte de Portugal. O fato é que, para sobreviver à concorrência chinesa, todo o setor teve de se reinventar, o que fortaleceu e ampliou as relações entre as empresas do setor, integrando diversos elos da cadeia produtiva e permitindo com que evoluíssem juntos em consonância com as mudanças ocorridas em escala global.

Ainda dentro de uma perspectiva histórica, o próximo passo foi trazer a inovação para centro dos negócios, englobando tanto matérias-primas e processo fabris como também a forma como os produtos são desenvolvidos e entregues aos clientes. O que se observa atualmente é um rompimento do foco no produto para uma abordagem de oferta de soluções completa de moda, onde as marcas e magazines procuram as empresas portuguesas na certeza de terem suas necessidades completamente atendidas, indo do fio aos processos logísticos que fazem com que os produtos cheguem até os consumidores finais. Prova disso é o crescente número de empresas que hoje adotam o modelo de negócio conhecido como one stop shop, onde ela oferta a solução completa para o cliente e gerencia toda a cadeia produtiva a montante, com diferentes graus de verticalização. Por falar em verticalização, esse fenômeno ganhou muita força na última década, com empresas têxteis adquirindo ou montando do zero confecções, e, no outro sentido, confeccionistas comprando/abrindo tecelagens e tinturarias, por exemplo. Tudo em nome da rapidez, controle de qualidade e da responsabilidade socioambiental, sendo exatamente essa a última fronteira da diferenciação da ITV portuguesa, junto com a agenda da digitalização.

A ITV de Portugal se posiciona atualmente como a mais sustentável do mundo, o que vem atraindo cada vez mais clientes que procuram opções de sourcing que possam dar materialidade às suas estratégias de sustentabilidade e economia circular. Processos de tingimento e acabamento que consomem cada vez menos água, energia e produtos químicos e o desenvolvimento de fios e tecidos em linha com princípios da Economia Circular são as faces mais visíveis da atual agenda estratégica de diferenciação do Made in Portugal, uma agenda que novamente une toda a cadeia de valor em busca de soluções inovadoras capazes de atrair cada vez mais clientes, ainda mais em um contexto de nearshoring. São esses elementos, somados à incrível resiliência a caráter empreendedor da ITV de Portugal que faz com que o mundo todo olhe para esse pequeno país Europeu como fonte de inspiração para melhoria contínua de produtos, processos e modelos de negócios.

E fui justamente para conhecer de perto esse caso de sucesso que desenvolvemos o programa Made in Portugal, uma experiencia educacional imersiva no cluster têxtil do norte de Portugal concebida para ser um ponto de inflexão em sua jornada de aprimoramento pessoal e profissional. Para conhecer esse programa, clique aqui.

Por Américo Guelere

FIB – Fashion Innovation Business

americo@fashoninnovationbusiness.com

Translate »